Como Tudo Começou?
Em 2016, Arthur iria fazer uma cirurgia de catarata no olho esquerdo, mas descobrimos que ele tinha um deslocamento de retina, o que complicou tudo. Como Arthur é surdo, e o deslocamento de retina precisa ser tratado em até 72 horas para evitar danos permanentes, a situação se tornou uma emergência médica. Porém, não sabíamos o que estava acontecendo, já que nosso filho não fala, e as consultas com médicos, especialmente oftalmologistas, dependem das filas do SUS.
O sistema de saúde gratuito, apesar de essencial, muitas vezes não considera certas situações como emergência, e isso torna o acesso a atendimentos específicos um grande desafio. A cirurgia de catarata acabou sendo inviabilizada porque os médicos disseram que, naquele caso, seria apenas uma questão estética, para evitar que a catarata deixasse o olho com uma aparência azulada. Eles não fariam esse procedimento, e Arthur perdeu a visão do olho esquerdo.
Ainda em 2016, percebemos que Arthur estava demorando para urinar. Notamos que a saída de urina no pênis estava fechando, e isso foi piorando até chegar à espessura de um fio de cabelo. Durante oito anos, esperamos na fila do SUS, enfrentando a burocracia de um sistema que muitas vezes não trata casos graves como emergências. Descobrimos que, dando água a cada 15 minutos, conseguíamos evitar infecções urinárias e impedir que o canal urinário se fechasse completamente, mas a situação era exaustiva.
Muitas vezes, o canal fechava, e precisávamos levá-lo à emergência, onde, com muita dificuldade, colocavam uma sonda. Nessas ocasiões, eram necessárias 8 a 10 pessoas para segurá-lo, além de mim e Jane, para conter o sofrimento do nosso filho. Por anos, enfrentamos essa rotina: água constante, banhos quentes para aliviar a dor, e uma vigília ininterrupta para cuidar de Arthur. Apesar de tudo, os atendimentos emergenciais raramente abriam exceções para a fila do CROSS, o sistema que regula os atendimentos especializados do SUS.
Só em 2024, no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, conseguimos que Arthur fosse examinado adequadamente. Os médicos, ao verem sua condição, ficaram chocados e repetiram quase em uníssono: "Meu Deus, a situação do seu filho é uma emergência desde 2016." Graças à intercessão do meu padrinho, Garcia Ricarte Evangelista, e à indignação dos profissionais de saúde que realizaram a cirurgia, as portas finalmente se abriram. Arthur foi tratado com o carinho e o respeito que merecia.
Depois da cirurgia, uma semana depois, Arthur conseguiu urinar sem dor e sem sonda. Ele parecia confuso, como se não entendesse onde estava a dor que o acompanhara por tantos anos. O médico que realizou a cirurgia, visivelmente emocionado, foi até Jane enquanto ela aguardava na emergência. Ele mostrou uma foto do procedimento e disse: "Nós tínhamos certeza de que seria necessário abrir tudo, considerando os oito anos dessa situação. Mas isso não foi necessário. É um milagre."
Eu contei essa história para uma enfermeira que conheci em um curso de culinária que Jane estava fazendo. Ela, após ouvir tudo, nos disse algo que ficou marcado: "Vocês acham que não fizeram nada? Vocês dois pararam suas carreiras, criaram uma disciplina quase impossível de dar muita água ao seu filho e a cada 15 minutos estar com ele em um chuveiro quente, evitaram infecções urinárias graves e, com isso, impediram complicações mais sérias, como uma ruptura da uretra. Foi Deus que agiu, mas Ele também agiu através de vocês. Tenho certeza de que Ele vai devolver toda a prosperidade aos talentos de vocês."
Durante os seis meses que antecederam a cirurgia, enquanto mantínhamos essa rotina, eu escrevi Orssana Stevenson e o Universo entre os Mundos. Escrevia de madrugada, porque era o único horário em que conseguia me dedicar e Arthur poderia precisar de mim nesse horário. Hoje, peço a Deus que abra os nossos caminhos: para mim, como Artista, e para Jane, que deseja retomar sua carreira como chef de cozinha. Ela costumava trabalhar como chef em casa, cozinhando para famílias, mas parou durante esses anos difíceis. Agora, estamos focados em pagar as contas de energia elétrica (que são nossa prioridade no momento) e em juntar dinheiro para alugar uma casa maior em São Paulo.
Nosso filho Arthur, o Rei. É portador da Síndrome de Down, surdez e cego de seu olho esquerdo. No Universo de Orssana Stevenson, ele é o Mestre Thäérin Lýthäen, um ser com uma tranquilidade inabalável. Desde o seu nascimento, me dedico à luta pela inclusão de pessoas com necessidades especiais, o que me fez ver a vida de uma maneira mais ampla. Todos devem ser vistos, respeitados e percebidos.
Orssana Stevenson é sobre o verdadeiro significado da inclusão, que se aplica a qualquer necessidade que ela envolva. Para mim, todas as pessoas que são diferentes têm um valor especial e são essenciais para a harmonia do mundo. Todos somos diferentes, e infelizes são aqueles que não conseguem ver beleza na diferença do outro.
Diante disso, comecei a me perguntar: será que, ao longo da história, já houve nascimentos de pessoas com Síndrome de Down? Descobri que, no Egito Antigo, cientistas encontraram vestígios de uma pessoa com características da Síndrome de Down, e essas crianças eram reconhecidas e tratadas com carinho e reverência pela comunidade. Isso sugere que, ao contrário de serem vistas como excluídas, essas crianças eram tratadas com respeito e cuidado, refletindo uma compreensão e aceitação social na antiga sociedade egípcia.
Além disso, estudei pesquisas realizadas em sítios arqueológicos na Irlanda e em outras regiões. Os achados indicam a presença de pessoas com características da Síndrome de Down datando de até 3.000 a 4.000 anos antes de Cristo. Algumas dessas pessoas foram encontradas com objetos cerimoniais e em locais de destaque, o que sugere o respeito e a consideração que recebiam em suas comunidades.
Embora o conceito de autismo não fosse definido na época, o incluí na narrativa porque sempre vi essas condições como algo muito maior, mágico em muitos momentos. O autismo, ao contrário da Síndrome de Down, não tem características físicas visíveis nem é identificável no DNA, o que torna difícil afirmar sua presença no passado. Porém, intuo que o autismo, como a Síndrome de Down, sempre fez parte da história da humanidade, existindo desde tempos imemoriais, embora sem a nomenclatura que usamos hoje. Essas condições sempre estiveram aqui, com suas nuances e encantos, talvez até mais compreendidas em algumas sociedades antigas.
Essa pesquisa e essas descobertas me inspiraram a criar Orssana Stevenson e o Universo entre os Mundos, pois, para mim, tanto a Síndrome de Down quanto o autismo não são limitações. Eu não vejo assim. Falo sobre o que, para muitos pais e mães, é um encantamento profundo. Existe algo especial que nos compele a sentir, no íntimo de tudo, uma imensa gratidão por essas vidas, que são um presente para o mundo.
Em 2016, Arthur iria fazer uma cirurgia de catarata no olho esquerdo, mas descobrimos que ele tinha um deslocamento de retina, o que complicou tudo. Como Arthur é surdo, e o deslocamento de retina precisa ser tratado em até 72 horas para evitar danos permanentes, a situação se tornou uma emergência médica. Porém, não sabíamos o que estava acontecendo, já que nosso filho não fala, e as consultas com médicos, especialmente oftalmologistas, dependem das filas do SUS.
O sistema de saúde gratuito, apesar de essencial, muitas vezes não considera certas situações como emergência, e isso torna o acesso a atendimentos específicos um grande desafio. A cirurgia de catarata acabou sendo inviabilizada porque os médicos disseram que, naquele caso, seria apenas uma questão estética, para evitar que a catarata deixasse o olho com uma aparência azulada. Eles não fariam esse procedimento, e Arthur perdeu a visão do olho esquerdo.
Ainda em 2016, percebemos que Arthur estava demorando para urinar. Notamos que a saída de urina no pênis estava fechando, e isso foi piorando até chegar à espessura de um fio de cabelo. Durante oito anos, esperamos na fila do SUS, enfrentando a burocracia de um sistema que muitas vezes não trata casos graves como emergências. Descobrimos que, dando água a cada 15 minutos, conseguíamos evitar infecções urinárias e impedir que o canal urinário se fechasse completamente, mas a situação era exaustiva.
Muitas vezes, o canal fechava, e precisávamos levá-lo à emergência, onde, com muita dificuldade, colocavam uma sonda. Nessas ocasiões, eram necessárias 8 a 10 pessoas para segurá-lo, além de mim e Jane, para conter o sofrimento do nosso filho. Por anos, enfrentamos essa rotina: água constante, banhos quentes para aliviar a dor, e uma vigília ininterrupta para cuidar de Arthur. Apesar de tudo, os atendimentos emergenciais raramente abriam exceções para a fila do CROSS, o sistema que regula os atendimentos especializados do SUS.
Só em 2024, no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, conseguimos que Arthur fosse examinado adequadamente. Os médicos, ao verem sua condição, ficaram chocados e repetiram quase em uníssono: "Meu Deus, a situação do seu filho é uma emergência desde 2016." Graças à intercessão do meu padrinho, Garcia Ricarte Evangelista, e à indignação dos profissionais de saúde que realizaram a cirurgia, as portas finalmente se abriram. Arthur foi tratado com o carinho e o respeito que merecia.
Depois da cirurgia, uma semana depois, Arthur conseguiu urinar sem dor e sem sonda. Ele parecia confuso, como se não entendesse onde estava a dor que o acompanhara por tantos anos. O médico que realizou a cirurgia, visivelmente emocionado, foi até Jane enquanto ela aguardava na emergência. Ele mostrou uma foto do procedimento e disse: "Nós tínhamos certeza de que seria necessário abrir tudo, considerando os oito anos dessa situação. Mas isso não foi necessário. É um milagre."
Eu contei essa história para uma enfermeira que conheci em um curso de culinária que Jane estava fazendo. Ela, após ouvir tudo, nos disse algo que ficou marcado: "Vocês acham que não fizeram nada? Vocês dois pararam suas carreiras, criaram uma disciplina quase impossível de dar muita água ao seu filho e a cada 15 minutos estar com ele em um chuveiro quente, evitaram infecções urinárias graves e, com isso, impediram complicações mais sérias, como uma ruptura da uretra. Foi Deus que agiu, mas Ele também agiu através de vocês. Tenho certeza de que Ele vai devolver toda a prosperidade aos talentos de vocês."
Durante os seis meses que antecederam a cirurgia, enquanto mantínhamos essa rotina, eu escrevi Orssana Stevenson e o Universo entre os Mundos. Escrevia de madrugada, porque era o único horário em que conseguia me dedicar e Arthur poderia precisar de mim nesse horário. Hoje, peço a Deus que abra os nossos caminhos: para mim, como Artista, e para Jane, que deseja retomar sua carreira como chef de cozinha. Ela costumava trabalhar como chef em casa, cozinhando para famílias, mas parou durante esses anos difíceis. Agora, estamos focados em pagar as contas de energia elétrica (que são nossa prioridade no momento) e em juntar dinheiro para alugar uma casa maior em São Paulo.
Nosso filho Arthur, o Rei. É portador da Síndrome de Down, surdez e cego de seu olho esquerdo. No Universo de Orssana Stevenson, ele é o Mestre Thäérin Lýthäen, um ser com uma tranquilidade inabalável. Desde o seu nascimento, me dedico à luta pela inclusão de pessoas com necessidades especiais, o que me fez ver a vida de uma maneira mais ampla. Todos devem ser vistos, respeitados e percebidos.
Orssana Stevenson é sobre o verdadeiro significado da inclusão, que se aplica a qualquer necessidade que ela envolva. Para mim, todas as pessoas que são diferentes têm um valor especial e são essenciais para a harmonia do mundo. Todos somos diferentes, e infelizes são aqueles que não conseguem ver beleza na diferença do outro.
Diante disso, comecei a me perguntar: será que, ao longo da história, já houve nascimentos de pessoas com Síndrome de Down? Descobri que, no Egito Antigo, cientistas encontraram vestígios de uma pessoa com características da Síndrome de Down, e essas crianças eram reconhecidas e tratadas com carinho e reverência pela comunidade. Isso sugere que, ao contrário de serem vistas como excluídas, essas crianças eram tratadas com respeito e cuidado, refletindo uma compreensão e aceitação social na antiga sociedade egípcia.
Além disso, estudei pesquisas realizadas em sítios arqueológicos na Irlanda e em outras regiões. Os achados indicam a presença de pessoas com características da Síndrome de Down datando de até 3.000 a 4.000 anos antes de Cristo. Algumas dessas pessoas foram encontradas com objetos cerimoniais e em locais de destaque, o que sugere o respeito e a consideração que recebiam em suas comunidades.
Embora o conceito de autismo não fosse definido na época, o incluí na narrativa porque sempre vi essas condições como algo muito maior, mágico em muitos momentos. O autismo, ao contrário da Síndrome de Down, não tem características físicas visíveis nem é identificável no DNA, o que torna difícil afirmar sua presença no passado. Porém, intuo que o autismo, como a Síndrome de Down, sempre fez parte da história da humanidade, existindo desde tempos imemoriais, embora sem a nomenclatura que usamos hoje. Essas condições sempre estiveram aqui, com suas nuances e encantos, talvez até mais compreendidas em algumas sociedades antigas.
Essa pesquisa e essas descobertas me inspiraram a criar Orssana Stevenson e o Universo entre os Mundos, pois, para mim, tanto a Síndrome de Down quanto o autismo não são limitações. Eu não vejo assim. Falo sobre o que, para muitos pais e mães, é um encantamento profundo. Existe algo especial que nos compele a sentir, no íntimo de tudo, uma imensa gratidão por essas vidas, que são um presente para o mundo.